ANTROPOLOGIA DO MAGUSTO: DEFUNTOS, CASTANHAS E CABAÇAS
Carlos C. Varela
No século VIII a festa cristiá em honra de todos os santos –que se vinha celebrando desde o s. IV- fixa-se em Inglaterra no primeiro de novembro com o nome de Todos os Santos. Um século depois já se propagara por todo o imperio carolíngio. Desta festa cristiá e, com certeza, da sua mestizagem con outras pré-cristiás, resulto una Galiza a celebraçom de Defuntos e também o Magusto. Castanhas, lume, cabaças e defuntos envolvem-se na festa por excelencia de Outono, que de outra beira do Atlântico chamam Halloween; festa que nos últimos anos, paradoxalmente, se celebra também na nossa Terra, com o éxito do indiano que volta rico da emigraçom. Neste breve texto debulharam-se alguns dos significdos destes festejos. …

- AS ÂNIMAS E O LUME
- AS CAVEIRAS DE CABAÇA
“O meu sogro, também assim por rir-se –agora já morreu o pobre-, umha vez que veu o Cándido do Varela da Lagao a Monderes –ao Cándido gostava-lhe muito a Glória, e nom havia quem o botasse de ali e tinha-os aburridos-, umha noite de inverno negríssima quando ia marchar, colheu umha ola, nom sei se era de maçar o leite ou de que era, e fijo-lhe olhos e voca e por dentro meteu-lhe umha vela, e saiu-lhe ao camino. O Cándido ao ver a calavera pujo-se a berrar como um tolo e corria por ali para riba que se matava, ainda parece que o estou ouvindo”. (10)
Pola beira da Laracha, onde o Magusto se chama Ghamusto, Masus Lopes ouviu-lhe aos velhos contos parecidos: “Um velho da paróquia de Torás tem-me contado que quando eram cativos, punha as cabaças às beiras dos caminos para meter medo a quem passava por ali. Este ritual também era feito em Soutulho, nos cruzamentos de caminos, mas nom com cabaças, senom que eran feitos com olas velhas de varro, às que os rapazes faziam olhos, boca e logo punham-lhe umha vela acessa dentro”. X. M. Muiño ‘O Sabino’ conta um conto no que desta volta, é o pai do moço o que nom está conforme com a estratégia matrimonial do filho: “Era um homem que tinha muitas leiras e o seu filho tinha umha rapariga pobre… e o homem nom quería que lhe fora junto daquela moça e foi-lhe deter o passo numha encruzelada e pujo uns lençóis de fantasma com umha calivera dessas na cabeça para ver se o escorrentava de junto à moça…” (11). O conto por pouco nom remata mal, pois como era habitual entom, os moços iam às moças armados para protegerem-se; mas ao ameaçar com disparar o pai descobreu-se. No número 63 da revista Nós Amadeo López Belho transcreve um conto limiao bastante parecido: em ‘A pantasma castigada’ o homem que vinha das moças encontra-se com gente disfarçada de defuntos, “com luzes dentro”; umha “pantasma que botava lume polos olhos”. De tom mais sério, e enquadrado na pedagogía dos defuntos, é o ouvido por Moure Mariño (12) em Doade (Sober): o conto de um homem que pasando polo cemitério da noite, bate com um vulto resplandecente no chao, e paga-lhe umha patada. O vulto berra e laia-se: era un cránio que fala. O homem, asustado, convida-a em desagrávio a cear na sua casa, mas a caveira, ao rematar a ceia, di-lhe que no dia seguinte se ham de encontrar no outro mundo por nom respeitar os mortos. A tradiçom do talhado de caveiras de cabaça por Defuntos recuperou-se mui rapidamente nos últimos anos, de Cedeira ao resto da Galiza, graças à vontade e trabalho da Asociación Cultural Chirloteiro, que a resgatou do esquecimento. À festa dêrom-lhe o nome gaélico de Samhain, que se espandiu por outras comarcas enquanto outras continuam a preferer o tradicional de Defentos. Mesmo a NNC de Estados Unidos chegou a emitir umha reportagem reconhecendo a celebraçom galega como precedente do Halloween. Sobre o Samhain irlandés Otero Pedraio tem sinalado que se trata de um Magusto, e Manuel Mandianes que “A festa de Todos os Santos, provavelmente, nom é outra cousa que a cristianizaçom do ‘Samhain’ celta, que continua viva através do Magusto para a gente de Loureses e de toda a Galiza em geral” ( ). “Seja como for, e além das polémicas habituais, cabe dizer, ao jeito de Jenaro Marinhas del Valle, que nom é tanto que as galegas fossem celtas ou nom, como que queiram sê-lo agora.- BANQUETES FUNERÁRIOS E CASTANHAS.
- O MAGUSTO ERÓTICO E CARNAVALESCO
As castanhas bem se comem,
o vino vai-se bebendo,
o carinho vai entrando:
a honra vai-se perdendo
Como em todas as festas tradicionais, as variedades comarcais e locais do Magusto podem ser muitas: numha matriz simbólica –estruturada e estruturante- comum, vam-se misturando elementos dos que resultam, como num caleidoscópio, diferentes combinaçons. Em geral, os tipos de Magusto distribuem-se num leque que vai de um Magusto mais religioso a outro mais profano. O simbolismo, a linguagem, é a mesma; mas se o pólo religioso é o do magusto no cemitério com mais ritualizaçons e referências às ânimas, o polo profano acha-se no espaço natural –o souto- e ceratieriza-se polo componente erótico e carnavalesco. Compre recordar com Mikhail Bakhtine que antano o Entruido popular chegava a durar até três meses. Na Galiza tradicional em toda essa época à que se lehe chama de feito genérico o Inverno, incluíndo o Outono (quando, em definitiva, o reino da obscuridade vence sobre o da luz), encontramos elementos carnavalescos. No caso do Magusto Fraguas sinala como o tempo de defentos enlaça, através do avondo carnavalesco tempo dos fiadeiros, com o Entruido: “ao rematarem as castanhadas dava começo o serán, é dizer, a festa das pandeiretas e antes do pandeiro, conhecida com o nome de ‘fiadeiro’, que a partir desse dia se celebram, polo menos, nos sábados e domingos, até a terça de Antroido. (17). No Natal intensificam-se os elementos carnavalescos: da própria figura do Apalpador aos folecons de Muñis de Rao, que em Návia de Suarna saem cantar os Reis. Já di o refraneiro, aliás, que o Entruido começa no Natal ou no Santo Antom. Mas para o assunto que nos ocupa o dado etmográfico mas significativo é o da prática de Defuntos em Quiroga, onde “furam o melom pola parte contrária ao rabo, rebaixam-no muito, secam-no ao lume, e logo de utilizá-lo de calivera no seu tempo, guardam-na para poder usá-la como mâscara no Antroido” (18). A sexualidade, que está no centro do carnavalesco, ressoa também com força no Magusto. Se os jogos eróticos eran habituais nos velatorios traficionais, com toda lógica o serán na grande festa funeraria que é o Magusto. Esses brinquedos acendiam as críticas da Igreja, que tidava de “promíscuas vigilias” os velatorios camponeses: “perversas diversons e jogos (…) nom tem ali lugar a modestia nom o recato; os chistes provocativos, as palavras obscenas, as visitas licenciosas, os tocamentos torpres e outras monstruosidades indignas ainda que um teatro de farsantes som o entretimento da inconsiderada mocidade” (19). E ainda “sabido é que a morte dá origem, ainda hojee m dia nas nossas aldeias rurais, às bacanais que mal contrastam com a dor do enluitado lugar e a imponente magestade das ceremonias da igreja” (20). Igualmente, chamou muito a atençom dos estudosos esse inesperado erotismo. Por exemplo Nicolás Tenorio deixou apuntado que “quando avança a noite e o sono chega para uns (…) há outros que, apartados, fam pola reproduçom da vida no sítio onde está a morte” (21). Na atualidade Xavier Castro admira-se de que “a reverberaçom da morte exercia umha estranha excitaçom erótica” (22). É, como no banquete fúnebre o unas outras bromas de velatorio, o triunfo da alegría sobre a tristura, da vida sobre a morte. Menos curiosidade despertárom os jogos eróticos do Magusto; mas nom se esqueça que se a castanha é um fruto funerário que pode simbolizar a eternidade, também o ouriço “cuberto de pêlos, abre-se mostrando o seu fruto doce, a castanha: velaqui um bom símbolo para o sexo da mulher. Um símbolo de amplo uso na fala cotiá” (23) e também nas cantigas eróticas de duplo sentido: Acabárom-se as castanhas, Secárom-se os castinheiros, Acabárom-se as rapaças Quedam os moços solteiros. (/) A castanha no ouriço Eu bem vos sei o que fai, Se é que está verde madura, E se está madura cai. (/). J. A Tarrio (24) deferencia no Magusto ourensano duas festas: o magusto dos cativos, com referescos e castanhas; e o magusto dos mosos mais velhos, que lhe engadem às castanhas chouriços, vinho e sexo. Um dos jogos eróticos –que tampouco vai mais lá de umha expressom simbólica- é o dos moços e moças brigarem para tisnar-se a cara ou un saos outros com tiçons. Como na cultura tradicional o sexo “mancha” –a mancha é signo de pecado, polo que às vezes na Coresma os pecadores desfilavam com a cara emborralhada- tiznar-se e ensuciar-se era, nos contextos ajeitados, um recurso simbólico habitual para exprimir a alegría de sexualidade. Eis os borraleiros, borralhosos e cinceiros do Entruido. Ou o folecom dos Ancares, que abraçava as mulheres enquanto lhes batia com um fol de cinza. E, sobretodo, o mui explicito urso de Salzedo, que tisna a faciana e o ventre das mulheres que captura para simular mímicamente a cópula. Com o mesmo significado se tisna no Magusto. “Todo o mundo –contavam-lhe nos 80 a Manuel Mandianes- pinta de negro a cara, como no dia do Entruido. Volvem à aldeia disfarçados e metendo muito barulho. Quando chegam, a gente sai à porta das casas para mirar a mocidade que volve do Magusto” (25). Face a solenidade ritual do Magusto no cemitério, a impugnaóm prática e alegre da morte no souto. NOTAS:- Manuel Mandianes, Loureses. Antropologia dunha parroquia galega, Vigo, Galaxia, 1984, p. 146.
- Jesús Rodríguez López, Supersticiones de Galicia, Lugo, Celta, 1974 (1895), p. 176.
- Ibid, p. 130.
- M. Mandianes, op. cit., p.60.
- Ibid, p. 150-1.
- Nicolás Tenorio, La aldea gallega, in: J. A. Durán, Aldeas, Aldeanos y Labriegos en la Galicia Tradicional, Santiago de Compostela, Xunta, 1984, pp. 203-325. Cita da p. 289.
- Rafael López Loureiro, Samain: a festa das caliveras, Vigo, Ir Indo, 2003, p. 40.
- Ibid, p. 38.
- Ibid, p. 40.
- Julia Varela, A Ulfe: Socioloxía dunha comunidade rural galega, Compostela, Sotelo Blanco, 2004, p. 62. Outro vizinho, Pepe, contalhe que “antigamente usava-se muito a picaresca essa de disfarçar-se, verter-se com uns lençóis brancos e ir-lhe meter medo a fulano, ou fazer umha calivera dumha cabaçza e pôr-lhe umha vela dentro e deixá-la no camino…”, p. 236.
- No programa “Pensando en ti” da TVG (23-IX-90). Transcriçom em López Loureiro, op. cit, p. 45.
- Luis Moure Mariño, A Galicia prodixiosa, Santiago, Xunta, 1992, p. 43.
- Manuel Mandianes, op. cit., p. 156.
- Xosé Ramón Mariño Ferro e Xosé Manuel González Reboredo, Diccionario de etnografía e antropoloxía de Galiza, Vigo, Nigra Trea, 2010, p. 257. Veja-se também as entradas “ánimas”, “defuntos” e “magusto”. Sobre o caráter funerário do castinheiro Manuel Mandianos, op. cit., p. 89. Também recorda que baixo esta árvore, como passa com a figueira e a Nogueira, som medra nada. A castanha, aliás, está cheia de ar e estoupa, manifestaçom de vida e ánima, como os peidos nos velatorios.
- Xesús Taboada Chivite, Ritos y crencias gallegas, Corunha, Sálvora, 1980, p. 249.
- López Loureiro, op. cit., p. 78.
- Antonio Fraguas, “Magosto”, in Gran Enciclopedia Gallega.
- López Loureiro, op. cit., p. 41.
- Citado in: Pergerto Saavedra, La vida cotidiana en la Galicia del Antiguo Régimen, Barcelona, Crítica, 1994, p. 228.
- Galicia Diplomática, II, 1883. Citado em Pergerto Saavedra op. cit., p. 352.
- Nicolás Tenorio, op. cit., p. 285.
- Xavier Castro, Historia da vida cotiá en Galicia. Séculos XIX e XX. Vigo, Nigra Trea, 2007, p. 232.
- X. R. Mariño Ferro. O sexo na poesía popular, Vigo, Ed. do Cumio, 1995, p. 47.
- J. A. Tarrio, Cultura, Educación e tradicións populares en Galicia, Sada, Ed. do Castro, 1989.
- Manuel Mandianes, op. cit., p. 25.
