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Neste texto explicamos como a celebraçom dos reis Magos era apenas um reclamo comercial -residual- antes do 36 e completamente alheia às casas das classes populares compostelanas. Por sua vez, a celebraçom observável na atualidade, um produto franquista que chega até os dias de hoje.

Desde meados do s. XIX vam aparecendo na imprensa notícias relativas aos Reis Magos à margem dos ritos propriamente eclesiásticos, sempre com um componente marcadamente urbano e minoritário. Ao princípio nem sequer as crianças pareciam ser mui centrais nas festas de Reis, ocasiom para os frequentes bailes de sociedade que deviam interessar muito mais às suas irmás e irmaos mais velhos. Contudo, a tradiçom dos presentes deixados nos balcons das casas ou nos sapatos das crianças, já data de entom, igual que as cartas aos Reis, mas é um privilégio da infância das classes abastadas. José García Barros escrevia em 1903 na Gaceta de Galicia: Diario de Santiago: “es para los niños ricos, para los hijos de personas pudientes, que para los pobres no existe […] Para ellos no hay más Rey que el rey negro del trabajo que ha de ser su Código social de redención, impuesto por el Niño obrero del portal de Belén”. Porém, também é certo que a cada vez mais a festividade atingia um tom benéfico e caritativo com as nenas pobres, atençom impossível de separar da configuraçom dum novo estatuto da infância e da luita polos legítimos direitos sobre a mesma, como estava a acontecer no campo da educaçom com o conflito entre a escolarizaçom estatal e as novas formas obreiras de educaçom popular. A infância, tal como umha tábua em branco, estava a tornar-se um espaço privilegiado para as desputas sociais.
Até as primeiras décadas do s. XX os Reis vam-se popularizando e, em certa medida, secularizando. Perdem algo da sua áurea de santidade: chama-se-lhes cada vez menos “Santos Reis Magos”, fala-se menos de rezar-lhes e as tradicionais alusons às suas relíquias na Catedral de Colónia vam diminuindo. Em verdade, a Igreja pouco ou nada parece pular pola popularizaçom dos Reis Magos modernos, que é cousa mais que nada das sociedades recreativas e clubes burgueses e pequeno-burgueses. Na festividade as missas som especialmente solenes e as representaçons teatrais mantenhem-se nos templos, mas só isso. Muito mais interesse ponhem comércios como as confeitarias e, sobretudo, as crescentes tendas de brinquedos. A história da publicidade entrelaça-se aqui com a da tradiçom.
Entre as classes populares, numha cidade como Compostela, os Reis Magos, nom sendo polos tradicionais cantos de Reis –que, contudo, na II República se recuperam porque já estavam em decadência–, tenhem infinitamente menos peso que os choqueiros ou o carro de Conjo no Entruido, mesmo menos que o jogo das olas que pola Pâscoa se fazia na Angústia. É um novo festejo em todo alheio ao seu ethos, nom sendo nos aspetos que menos tenhem a ver com o que hoje entendemos polos Reis Magos. Eis o componente cómico e grotesco que sinalava Bakhtine nas festas populares e que também aparece nos Reis na forma do costume de “esperar aos Reis”. O El Correo Gallego, por exemplo, descreve como em 1881 os balcons de Ferrol amenceram cheios de brinquedos para as crianças, e as ruas convertidas “en pellejos de vino, muchos que según la tradicional costumbre fueron á esperarlos”. Em 1889 o Diario de avisos de La Coruña clamava por umha reforma dos costumes populares injustificados, que ofendiam a moral burguesa: “¿A qué viene, por ejemplo, salir á esperar á los Reyes Magos la noche del 5 de Enero, sabiendo que dichos reyes no han de venir, y correr de extremo á extremo de la población csemoreargados con escaleras, quemando hachones de viento y con cencerros colocados al cuello?”. No ano anterior, a Crónica de Pontevedra, porém, queixava-se da exageraçom de alguns bandos e editos municipais, que pouco menos que davam a entender que os Reis populares consistiam sempre em disparos, foguetes e colocar maçar para aguardar os reis. Por esse artigo conhecemos também a tradiçom de fusilar o Judas, “que suele ser la caricatura de un personaje político.
A primeria cavalgada moderna (pois nom tem sentido chamar assim a umha processom religiosa do s. XV que em nada se parece às atuais cavalgadas) de que temos notícias em Compostela, graças ao Diario de Galicia, é a de janeiro de 1911, que levava uns anos querendo ser organizada pola Liga de Amigos de Santiago a semelhança dos seus companheiros da Corunha. Como mostra de ecletismo popular, os próprios Reis Magos presentearam a Liga com umha árvore de Noël –como entom se lhe chamava– que foi exposta no escaparate de Gerardo Puerta no Perguntoiro. O próprio Noël “que, en actitud hierática, iba sentado al pie del arbol”, participou na cavalgada que saiu do Sam Clemente com umha salva de bombas, numha carroça tirada por bois que também levava a dita árvore.
Os elementos do Natal nórdico, como a árvore e o Pai Natal, introduziam-se nos costumes urbanos e de classes altas, com certeza por serem elementos de modernidade. Em Ferrol, por exemplo, no Natal de 1892 já se celebrou umha festa da “boa sociedade” no buque Anson, com umha árvore de Noël em coberta cheio de presentes e, em Compostela, pode que umha das primeira árvores fosse a de Ramona Sanjurjo Neira de Castro numha festa caritativa em 1903. Tampouco faltam referências à figura do Pai Natal, como um que pintou com fins publicitários Camilo Diaz Baliño em 1927 para o comércio compostelano “El Bueno Gusto”, que nesse ano anunciava como presente estrela de reis os seus brinquedos traga-bolas.
Para ver até que ponto as cavalgadas de Reis ainda nom eram umha tradiçom consolidada basta com ver como foram os festejos compostelanos de janeiro de 1931: na Catedral, Adoraçom dos Reis com grande solenidade (funçom de primeira, processom mitrada, sermom e botafumeiro); nos comércios como a Lechería Viúda de León, na Rua do Vilar, brinquedos de Reis à metade de preço por liquidaçom; na inclusa, a já tradicional carta aos Reis das crianças pobres publicada no El Eco de Santiago; na lotaria da Caldeiraria, “oro para repartir en Santiago e incienso para desinfectar la mala atmósfera que dejaron los sorteos de Navidad y Año nuevo”; e nas instituiçons benéficas da Sagrada Comunión de las Hermanitas, visita dos Reis com o seu guinaldo. E, entretanto, o povo que fazia? No Perguntoiro expunha-se um Rei para reunir tabaco, mistos, papel de fumar e mecha que depois foi repartido ao jantar. Noutras cidades, como na Corunha, baile com orquestra na Reunión de Artesanos e rapazes das Atochas brincando disfarçados de reis. Costumes, portanto, muito mais perto dos peditórios de Entruido do que das cavalgadas modernas. A sua configuraçom moderna estava tam longe que, o simples facto do crego e as catequistas de Padrom repartirem doces aos nenos à saída da missa de Reis, foi saudado por El Ideal Gallego como umha grande ideia “porque es forjador de almas y de pueblos, tan necesarios para la patria”.

As republicanas magestades de Oriente.

A proclamaçom da República em abril de 1931 abriu um período de mudanças sociais, também na festividade dos Reis Magos. A primeira corporaçom municipal de Madrid, num intento de criar um calendário laico, eliminou a festa católica transformando-a nas “Festas de Primeiros de Ano”, que punha ênfase nos brinquedos para as crianças das classes populares. O concelheiro socialista Manuel Muiño Arroyo, um infadigável trabalhador manual membro do movimento obreiro e vimiancês de origem, defendeu no pleno que “ele nunca acreditara nos Reis Magos, porque jamais lhe trouxeram presentes”. A decisom causou polémica. O direitista El Ideal Gallego carregou contra o que considerava “pueriles pujos de republicanismo… y de sectarismo”, e tampouco faltárom apologistas cristaos a verem nos Reis a primeira condena ao liberalismo progressista que, segundo eles, encarnaria Herodes. Além das polémicas conservadoras, que temiam a racionalizaçom acabasse com a sua “história sentimental”, o certo é que as políticas republicanas fôrom cautelosas neste aspecto, preferindo partir desta tradiçom antes do que opor-se frontalmente a ela. Tal e como escrevia Valentín F. Cuevas no El Correo Gallego em 1936:
Los únicos Reyes que hay en España y en muchos países del mundo, son estos Reyes Magos: Melchor, Gaspar y Baltasar. Reyes que se acuerdan de los chiquillos por lo menos una vez al año, y abarrotan los balcones de chucherías. ¿Qué vamos a hacer si dimiten?
Mas ainda que nom se via demasiado perigo neste monarquismo ingénuo, o presidente Niceto Alcalá-Zamora adotou desde o começo a estratégia de repartir ele mesmo, em pessoa, os brinquedos às crianças, como se a figura do Presidente da República quigesse desputar aos Reis Magos o monopólio da caridade e o valioso capital simbólico da ilusom infantil. A sua figura emergia como bondadosa em atos como envio ao reitor da USC, em 1935, dum cheque de 5.000 pesetas para repatir polos Reis entre as crianças das escolas compostelanas; ou o envio, nesse mesmo ano, dum lote de livros de literatura infantil para a escola de Ceboleira, em Lavadores. E é que estes reis republicanos enfatizavam a sua vocaçom cultural. Polas ruas de Madrid, a cavalgada da Agrupaçom de Editores estava composta por três escritores-reis: Ramón Gómez de la Serna, Salvador Bartolozzi e Antonio Robles, acompanhados dum automóvel carregado de livros.
Na Galiza as instituiçons republicanas apostaram nesses anos polo formato da chamada “Festa do Neno”, com um tom mais laico que o precedente. Assim, a Deputaçom da Corunha realizava em 1932 no teatro Rosalía de Castro umha funçom benéfica e repartia brinquedos no hospício. Em Compostela um grande organizador da Festa dos Nenos, que misturava teatro com música –com colaboraçons como a da prestigiosa orquestra Brage–, mágia ou humor, foi Xosé Mosquera Pérez ‘O Velho dos Contos’, quem empregava o galego para festejar os “Santos Reices Magos”. Para 1934 a imprensa informa também de que a gente das aldeias das paróquias próximas à capital voltaram a cantar as panxolas polos cafés da cidade por Reis, “costumbre que hace algunos años había desaparecido” e que novamente aprofundava a crescente hibridaçom entre os cantares de reis (eram os reis os que cantavam) e a moderna tradiçom católica.
Entretanto, o movimento obreiro –e nem digamos o galeguista– continuava a sentir os modernos Reis Magos como algo mais bem alheio. Em Ourense, o La Lucha: Órgano de la Agrupación Socialista y de la Federación Agraria de la Provincia, publicava em 1932 umha carta aos Reis paródica, ao estilo dos testamentos do Entruido, em que se encarregava de criticar os notáveis ourensanos:
A Pazos: Dos bombas, un expediente municipal y una mayoría en la patronal.
A “Heraldo”: Un consolador, para llevar con paciencia las penas.
A Otero Pedrayo: Unas gadas, para que se dé cuenta de los arribistas que a la sombra de su honradez buscan enchufarse…
Esta variante carnavalesca das cartas aos Reis aparecerá mais vezes, sem chegar a atingir a popularidade das críticas sociais do Entruido. Em Ferrol sim aparece um movimento obreiro a participar desta festa, principalmente dando-lhe umha impronta de classe. Participam da recolhida de brinquedos para as crianças das classes populares o Centro Obrero de Cultura e, mui especialmente, o Grupo Feminino Socialista, com um discurso combativo e centrado nos filhos dos “presos político-sociais”. Nada a ver com as festas carlistas que a Juventude Jaimista organizara por Reis em Compostela no ano 1932. Afinal, como lembrava J. García Nodar num continho, “Luisito y los Reyes Magos”:
Los Reyes Magos no podían visitarle a él, porque era pobre. Su casa no era blanca, no tenía balcones, ni ventanas para colocar sus zapatitos –¡sus zapatitos! ¿pero dónde estaban?– El no tenía zapatos; no los había tenido nunca.
Em resumidas contas, poucas cavalgadas tal e como as entendemos agora e sempre organizadas por iniciativas associativas; bailes e festas entre a mocidade burguesa nos clubes e centros recreativos; atos benéficos ou sociais –como a ceia americana organizada por ex-alunos da USC em 1931 para angariar fundos para as obras da Residência de Estudantes–; e mesmo iniciativas individuais como a de Gaspar Massó, a repartir brinquedos em pessoa. O que avançava, imparável, era o uso comercial dos Reis Magos. Em Compostela, a relojoaria Riveira e a papelaria Comercial encarregavam umha publicidade específica, em que era os próprios reis a recomendarem os citados estabelecimentos. Neste sentido a aposta mais forte foi a dumha casa comercial de Jérez de la Frontera, que através dos seus representantes organizou em 1932 umha cavalgada em Corcubiom, com os reis e a sua “escolta de escravos”, além de gaita e tamboril, repartiu brinquedos e continuou até Cee.

A militarizaçom dos Reis Magos de Espanha

O Golpe de Estado de 1936 foi, com toda certeza, o momento decisivo na moderna configuraçom dos Reis Magos, polo que supujo a sua instrumentalizaçom política por parte do bando franquista e a conversom das cavalgadas –até entom organizadas pola sociedade civil– num ato oficial, inequivocamente católico e de caráter patriótico. O fenómeno que hoje reconhecemos como o Dia de Reis tem nestes primórdios do franquismo a sua origem em tanto que ato social massivo e generalizado. É nos laboratórios da nova configuraçom cultural fascista onde se projeta a coreografia da celebraçom e toda simbologia que hoje reconhecemos. A sua importância entende-se porque o novo poder, junto com o monopólio da violência legítima, também coviçava atingir quanto antes o monopólio da benevolência. Além da violência fundacional do novo regime, a Falange queria apresentar-se como bondadosa como um pai severo mas cumpridor. Assim, essa constelaçom de iniciativas que se encarregava da organizaçom coletiva da ilusom infantial que eram os Reis Magos, foi completamente desaparecida para que as Juventudes e a Seçom Feminina da Falange detentassem o monopólio da benevolência legítima. Syra Alonso lembra no seu Diário de Tordoia as resistências anónimas a essas estratégias benevolentes que se afanou em praticar a Falange: rejeitando enviar as crianças aos refeitórios gratuítos que os golpistas abriram para os filhos dos fusilados ou deitando de noite na ria do Burgo os colchons que os golpistas repartiram entre as viúvas dos marinheiros da Corunha. Mas foi a festividade de Reis a que se revelou como o perfeito campo de intervençom para este tipo de estratégias. A magnánima Falange devia ser capaz de proveer também de presentes aos filhos dos obreiros derrotados, mas sem hesitar em recordar-lhe os benefícios sobre a infância marxista: “piensen los niños de nuestras escuelas que los niños de la zona roja, ya van hambrientos camino de las frías estepas de Rusia, ya siguen en la zona marxista sin hogar, sin cariño y ¡sin juguetes de ensueño!” (Boletín de Educación, Ponte Vedra, 1938).
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No primeiro Natal após o golpe de Estado a Radio Castilla Burgos começa a radiar, “a requerimento de Carmiña Franco”, umha série de contos para crianças perante a proximidade do dia de Reis. Em Compostela há um chamamento em El Eco de Santiago a realizar doaçons, mas também petiçons, na Central Obrera Nacional. Num comunicado encorajavam a fazer “que los niños santiagueses amen a los Reyes y habremos colocado en su alma los cimientos de la esperanza, la alegría de ser buenos, el esperar el premio de esa bondad, y la fé, el ansia de creer”, posto que “todos debemos estar por igual interesados en renacer esta tradición del a fiesta de Reyes, ¡No debemos regatear esfuerzos, si somos verdaderos españoles!”. Os brinquedos recaudados e exibidos nos escaparates durante dias serám repartidos pola Sección Femenina com ajuda dos Flechas na Praça de Feijó. A Falange monopoliza desde entom o potente sentimento natalício, mas nom será até o ano seguinte, já com mais tempo para a planificaçom, que configure plentamente o festejo dos Reis Magos como umha das suas mais fortes armas afetivas na “Cruzada Nacional”. Ideólogos nom lhe faltarám. Em janeiro de 1937, nas páginas do El Correo Gallego, Vicente Losada escreve para as crianças um dos artigos mais brutais sobre o tema. Consciente de que “esos niños que con su instinto mimético están grabando en su alma el amor a España”, proporciona todo um programa para os Reis Magos como elemento politizador e de construçom nacional franquista:
Yo sé que nuestros niños, ingenuos vividores del ambiente de España, han pedido, en su casi totalidad elementos de combate para aplastar a los rojos, tanques, trimotores, fusilajes, etc., y las niñas lanzando al cielo sus angelicales voces cantando himnos patrióticos embalsaman el ambiente de halagüeñas esperanzas de un porvenir rosado para nuestra Patria. Los Santos Reyes nos indican la ruta a seguir, que no es otra que la del sacrificio […] Enseñémosle a que amen y compadezcan a esos otros niños los cuales, víctimas de una educación criminal, yacen en los campos del dolor, del odio y de la desesperación; sus padres emparentados con el demonio, les enseñan a renegar del Niño Jesús y a cerrar las puertas y ventanas a los Reyes Magos; pero estos reyes, que son muy buenos, os encargan a cada uno que les reservéis un juguete, para que cuando los hayamos rescatado del infierno rojo, a donde los han llevado por el camino de la barbarie y la desolación sus desdichados padres, se los podais entregar con todo el cariño; porque son inocentes como vosotros y el Niño Jesús, os manda quererlos mucho y que siempre los veáis como amigos predilectos.
Outro caso, nesse mesmo ano, é o de Araceli Pita da Veiga, filha do futuro Ministro da Marinha de Franco, quem escreve entusiasmada sobre o efeito militarizador dos reices em Ferrol: “Mirad como ese niño, que el año pasado lloraba, ante una caja de soldados y un cañón de artillería que tras el escaparate se hace imposible a su deseo. Desde hoy, el niño tiene el cañón y los soldados y jugará a las batallas, jugará a defender la Patria”. Nom em vao, na sua cidade, a loja de brinquedos Casa Couto, situada na já Calle General Franco, enchia a imprensa de publicidade anunciando que tinha para os Reis umha esquadrilha de trimotores novos, e ametralhadora parece ser que foi o presente estrela desse ano. Esta militarizaçom da infância era tam forte que, das páginas do El Correo Gallego o soldado Francisco Valles encoraja em janeiro de 1937 a que cada quem dê uns reices à Pátria, uns “Reyes Magos de España”, delatando o inimigo e nom permitindo que “ninguno de vuestros allegados, de vuestros parientes, o de vuestros amigos, pertenezcan a ésa repugnante caterva”; e mesmo fala já duns nacionalizados “Reyes Magos de España”.
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E entom chegam os Reis de 1938, os primeiros em que toda a “España Nacional” a Falange coordena umhas grandes cavalgadas pensadas como um espetáculo político-religioso contra a russificada República. Em Compostela a cavalgada é organizada pola Delegación Comarcal de Prensa y Propaganda de las O.J. de la F.E.T. e fortemente publicitada pola rádio e pola rua, com cartazes e panfletos. Notas de imprensa rematadas com as omnipresentes consignas franquistas chamam a cidadania a doar presentes para os soldados feridos e as crianças pobres. A cenografia do desfile é cuidadosamente preparado: “Todas las casas lucirán las banderas nacionales. Las iluminaciones públicas se apagarán y el cortejo magno de SS. MM. desfilará ante los balcones de todos los niños”. A cavalgada deveu resultar sobrecolhedora. Partindo diante do Quartel da Artilharia (todas as cavalgadas do país partírom de quarteis militares ou das organizaçons da Falange), diante iam os “flechas” e “pelayos” com antorchas, seguidos dos clarins de artilharia e a banda municipal e a da Falange. Os Reis, dacavalo, e sobre umha sorte de góndola a estrela de Oriente. A Capitol assegurava na publicidade que a cavalgada passaria por diante do seu estabelecimento, que passaria para a ocasiom um filme sobre a amizade italo-alemá e sortearia umha “magnífica ametralladora” para os nenos e “una caprichosa muñenca” para as nenas. No 6 de janeiro, os reis entregarám na Ferradura, ao som do “Cara el Sol” e braço em alto, “30.000 juguetes” a todos “los niños humildes de Santiago” que enviem as suas cartas ao Quartel da Ferradura, e mesmo falarám através das ondas na Unión Radio Galicia. Esta é a génese da cavalgada moderna, com todos os seus elementos.
Em Ferrol, onde Torrente Ballester participara dos atos, fala-se dos Reis Magos “escoltados por camisas azules”. Dia depois os organizadores explicarám na imprensa que o reparto de brinquedos “representa a más que la acción material que exterioriza en sí, la demostración palpable, fehaciente e incontrovertible, de lo que es y pretende esta milicia nacional que con el Ejército forma la columna vertebral del Nuevo Estado”.
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Ainda, com a moderna “Epifania de Franco”, como chegam a chamar-lhe na imprensa, voltam as notícias sobre as relíquias dos Reis e o seu tratamento de “santos”, à vez que começa a aparecer o conflito com outras tradiçons natalícias como a da árvore. Ainda que mesmo nos primeiros momentos do franquismo houve árvores da Falange e, naturalmente, os aliados nazis também os incluiam nas suas festas, nom foi até que a Delegación Nacional de las Organizacións Juveniles o proibiu entre os seus filiados no Natal de 1939 por nom espanhola nem católica. Contudo, reaparece depois dos anos mais duros, com o próprio Pai Natal, em festejos como o Natal dos Pobres, evento benéfico organizado na década de 1950 no Hotel Compostela, se bem a sua popularizaçom também produzia feros debates no periódico La Noche. Em 1953 parabenizam a cavalgada organizada pola Falange em Lugo, por “mantener graníticamente nuestras costumbres frente a las injerencias de Papá Noel en las tiernas imaginaciones de nuestra gente menuda”. Em Compostela pom a árvore a colónia porto-riquenha, mas intenta-se que fique nesse reduto exótico. O próprio alcalde, no pregom de Reis de 1953, ataca o Pai Natal, nada menos que como “enemigo declarado de la repoblación forestal que están llevando a cabo en todos los montes de España”. Nom por acaso, eram os anos em que começavam os conflitos polos montes comunais.
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Foi desta maneira que as cavalgadas se convertêrom num ato institucional e de massas tal e como agora as conhecemos. Da Comissom de Memória Histórica da Gentalha do Pichel queremos achegar a nossa visom crítica acerca dumha das tradiçons natalícias que temos mais naturalizada e blindada à historizaçom pola áurea da “ilusom das crianças” que haveria que preservar sempre, coartada que nos últimos anos vimos como foi utilizada por forças reacionárias contra as cabalgatas inclusivas. Também neste ano vimos como os “defensores da tradiçom” nom hesitárom em reinventá-la obedecendo ao seu racismo, branqueando o rei Baltasar. Mas o fundo da questom, a génese franquista da cavalgada, continuava sem ser questionada. Aqui o nosso contributo ao debate.
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